B-P e o Escotismo do Mar

 

"Talvez não haja maiores heróis e mais verdadeiros Escoteiros que os marinheiros dos barcos de salvamento que existem nas costas de todos os oceanos do mundo.   Durante tempestades perigosas devem estar alerta e BEM PREPARADOS para sair a qualquer minuto e arriscar suas vidas a fim de salvar a de outros.   Porque o fazem isto freqüentemente, e sem alarde, seus atos parecem para nós quase rotineira; mas nem por isso deixa de ser algo esplêndido e digno de nossa admiração.

Fico satisfeito ao ver tantos escoteiros se dedicarem ao Escotismo do Mar; aprendendo a manobrar uma embarcação e a marinharia estão também se preparando para tomar seu lugar no serviço da Pátria, como marinheiros na marinha de guerra ou na mercante, ou como tripulantes das embarcações salva-vidas das costas.

Um navio pode ser um paraíso ou um inferno, dependendo somente dos homens que nele estejam.   Se são grosseiros, se vivem se queixando e se são relaxados, serão uma infeliz tripulação.   Se estiverem, como os Escoteiros, alegremente resolvidos a tirar o melhor de cada situação, tanto a dar quanto a receber, e a manter tudo arrumado e limpo, serão como uma família feliz e poderão gozar plenamente a vida no mar.
(...)

Uma das minhas experiências mais divertidas como Escoteiro do Mar foi um cruzeiro fluvial que fiz com dois dos meus irmãos.   Levávamos um bote de lona, desmontável e dobrável, pelo Tamisa acima, tanto quanto foi possível mantê-lo flutuando.   Chegamos até os Chiltern, onde nenhum outro barco fora visto jamais chegar.   Levávamos conosco o material necessário para cozinhar, acampar e dormir, e acampávamos todas as noites. Quando chegamos às nascentes do rio, carregamos o bote para além do divisor de águas e lançamo-lo novamente na correnteza que descia na direção oeste e de dentro de algumas milhas se transformava no Avon.

Através de Bath e de Bristol prosseguimos a nossa jornada, remando, velejando, empurrando o barco com uma vara, ou a sirga, conforme exigiam as circunstâncias, até que alcançamos as águas caudalosas do Severn.

Neste trecho viajamos com a bolina arriada até que chegamos sem incidentes a Chepstow, na outra margem do rio.   Daí abrimos caminho subindo os rápidos e corredeiras do rio Wye, através de suas belas paisagens, até nossa casa perto de Llandogo.   De Londres ao Pais de Gales, quase todo o por água, com muitas aventuras e divertimentos à contade!

Mas não fizemos nada mais do que qualquer um de vocês poderia fazer, se quisesse tentar.

Assim, avante Escoteiros - tornem-se oficientes, porque se vocês souberem gozar o seu Escotismo do Mar tanto quanto eu gozei o meu, irão passar uma maravilhosa temporada."
ESCOTISMO PARA RAPAZES, por Baden Powell
Conversa ao Pé do Fogo nº6 - Sobre o Escotismo do Mar.


Banden-Powell em família.

Liderados pelo irmão mais velho Warington B-P, os irmãos B-P realizavam aventuras em família.   Warington conduzia seus irmãos mais novos a vivenciar a marinharia e a aprender as lições de vida, através das aventuras das navegações.

Estas experiências de Robert B-P na adolescência viriam a servir de base para suas idéias futuras sobre o escotismo, e o faria escrever "se eu tivesse sido um escoteiro na minha infância, teria sido um Escoteiro do Mar".

Já tendo solicitado ao seu irmão mais velho um manual completo com técnicas para os Escoteiros do Mar, logo após o primeiro acampamento experimental que deu início ao Escotismo do Mar em agosto de 1909, Robert B-P lançou sua obra "Escotismo do Mar para Rapazes", onde deu várias orientações a cerca das particularidades do Escotismo do Mar, dizendo sobre os cruzeiros o seguinte:

    "Ao invés de campos, cruzeiros são a melhor forma de colocar em completa prática o treinamento.   Isso pode ser realizado através do aluguel de um barco costeiro para uma viagem de uma semana ou levando a tripulação em um pequeno iate ou barco de pesca.   Mesmo nas redondezas, o cruzeiro pode ser usado para uma missão ou tarefa útil a bordo de uma lancha ou um barco, em rio ou canal, ou acampando."
    ESCOTISMO DO MAR PARA RAPAZES - página 7.
    Por Robert Baden-Powell.


No Seminário ministrado por Roy Masini em maio de 2008 na cidade de Dublin (Irlanda), com o tema "Um breve histórico sobre o Escotismo do Mar", ele relata alguns pontos da vida de Robert e Warington B-P como transcrevo a seguir:
 

    "Em 1868, na idade de 11 anos, BP foi para a escola em Rose Hill, Tunbridge Wells, em Kent, o que lhe deu a oportunidade de conhecer a vida escolar, as florestas e campos ao redor da escola.   Por diversos motivos, esta escola preparatória também lhe foi uma amiga.   Esta escola veio a ter uma tropa escoteira posteriormente, e que mais tarde, em 1934, se tornaram Escoteiros do Mar.   Tinham uma embarcação longa de 50 pés, um navio equipado com mastros e massame construídos nos campos da escola.   A embarcação foi nomeada "The Scouter", que também figurava na revista de mesmo nome em 1934.

(...)
 

    Seu irmão Warington, 11 anos mais velho, estava muito interessado em vela, mas a família não tinha dinheiro disponível, então, os irmãos conseguiram barcos antigos, consertaram-nos e quatro deles - Warrington, nessa época com 27 anos de idade, Jorge, com 20, Francis com 18 e Robert com 16 - zarparam durante as férias em busca de aventura num cruzeiro ao redor da costa da Grã-Bretanha e da Noruega.   Como Robert era o mais jovem, ele ficou responsável pela realização de pequenas tarefas como lavar e cozinhar, até que a tripulação percebeu que ele não era um bom cozinheiro.

    Em uma ocasião que estavam navegando fora de Torquay, em Devon (ao largo da costa sudoeste de Inglaterra), num iate de dez toneladas que eles chamavam "O Kohinoor", uma tempestade surgiu a partir do sudoeste.   Tentaram ir por Dartmouth, mas foi impossível, e correram para Weymouth fugindo da tempestade.   A tempestade aumentou, ficou mais forte, e cada irmão tinha um cabo amarrado em sua cintura, com as extremidades livres e amarradas ao mastro, com folga exata para cada um realizar a sua tarefa.   BP admitiu que estivesse com medo e foi à disciplina de Warrington, na qual ele foi treinado como cadete naval, que os conduziu até o final.

    Durante toda noite os irmãos lutaram com as ondas, até o dia seguinte, quando encontraram refúgio no sota-vento de Portland Bill."

Elaine K Wade, que foi secretária da BP por 27 anos, em sua história sobre o chefe Escoteiro fala de outras dessas aventuras.
 

    "Foi um pouco desagradável o mar em uma noite, quando o Kohinoor passou sobre algumas pedras, adernando ainda mais naquela água revolta.   Não havia ninguém para nos salvar, e nenhum outro barco à vista."
    "Está tudo acabado" era o pensamento desesperançado dos rapazes mais jovens, e o desespero no barco à espera para ver o que ia acontecer.   Um utensílio (croque) se soltou e caiu nas águas do mar.   O futuro chefe escoteiro, assistindo a situação, imaginava quanto tempo eles resistiriam sem que acontecesse o mesmo com eles, quando ele foi subitamente interrompido com uma bronca de Warrington. "Vocês jovens tolos, o que dirão em terra, se deixarem o croque ir embora?   Apressem-se em agarrá-lo antes que seja tarde demais."
    'Nunca se entregue à morte até que esteja morto' é um lema que um Chefe Escoteiro sempre diz aos escoteiros, e eu penso que este deve ter sido o primeiro episódio que gravou isso em sua memória.   Quando foi ordenado a resgatar o croque do barco, ele pensou nisso e depois houve certa esperança de salvação para aquela tripulação."

(...)

Março de 1908.   O livro Escotismo para Rapazes foi calorosamente recebido pela imprensa nacional.   Os jornais The Times, The Spectator e o Daily Graphic, o classificou como "o mais visionário."

O sucesso da publicação foi imediato, com meninos e meninas se organizando eles próprios em patrulhas para por em prática o que eles liam nos livros.   Esta não era a intenção inicial de B-P, ele havia pensado que o Escotismo seria uma atividade extra para organizações de meninos já existentes onde a separação por patrulhas seria formada aonde ainda não existisse organizações de meninos.

Choveram cartas pedindo conselhos sobre o Escotismo, e um escritório teve de ser aberto em Londres para lidar com tantos pedidos.   Entre essas cartas uma foi escrita por um grupo de rapazes que diziam morar próximos da costa, e perguntavam como poderiam fazer o escotismo deles em botes e canoas.   Por sorte, a carta passou pelo editor chefe da Pearson Editora, que também providenciou um escritório para dúvidas em Escotismo diretamente com Robert Baden-Powell. B-P, nos seus tempos de escola, desenvolveu amor pelo Oceano e viu como atividades náuticas completariam bem o Escotismo básico.

Em 1872, os irmãos Baden Powell embarcaram numa expedição através do país numa canoa desmontável remando pelo Rio Tamisa acima, até a nascente, desceram até o Rio Severn, e subiram o Rio Wye até Gales.

Warington começou a treinar no mar no famoso East Indian Hotspur de Smith Line, velejando sob o comando do Capitão Toynbee para Calcutá, na Índia.   Mais tarde ele ingressou na Linha Pacífico e Oriente (P&O), servindo como 4° Oficial, mas saiu com a idade de 26 anos, em 1893, pois sentiu que deveria ajudar sua mãe a criar os filhos menores que ainda estavam em casa.

Em vários aspectos ele havia sido o filho mais aventureiro, tanto na infância, atuando como capitão em vários barquinhos pequenos nos quais seus irmãos atuavam como tripulantes.   Seu amor pela natação, pelo tiro e a exploração pareciam havê-lo marcado para uma vida independente, mas como primogênito de uma família cujo pai havia morrido, era seu dever assumir o lugar do pai na família.   Por isso, em 1873, após 13 anos no mar, voltou para casa para morar em Londres, de onde não sairia pelos 40 anos seguintes.   Durante esse período, conta-se que o slogan da família se tornaria "Warington pode fazer isso!"   Ele projetou e supervisionou a construção de um iate de cinco toneladas, The Diamond, quando chamou seus irmãos para participar de cruzeiros de verão ao longo da costa sul.

Durante os anos em que os irmãos velejaram juntos, os autores de obras de ficção para meninos glorificavam suas aventuras em termos da camaradagem e pelas viagens a países longínquos.   Ao escrever a respeito dessas viagens, anos mais tarde, Robert B-P daria a impressão de que Warington e ele eram muito mais novos na época das expedições do que de fato eram.   Warington era um experiente iatista de 27 anos e Robert, com 16, não era mais criança.   Para fazer apelo à leitura do seu livro de Escoteiros, ele exageraria quanto aos ferimentos e perigos, mas essas viagens de iate, sem dúvida, lhe proporcionaram um prematuro gosto em enfrentar riscos.

Quando, durante a 1ª Guerra Mundial, disse aos Chefes Escoteiros que eles deveriam ser como irmãos mais velhos para os garotos que perderam seus pais nas tropas estava pagando com atraso um tributo ao seu irmão Warington.

Warington Baden Powell morreu no dia 24 de abril de 1921 com 74 anos.   Em sua lápide está gravado o tributo por ter sido o fundador do Movimento Escoteiro do Mar.

Depois de sua morte, coube a seu irmão Robert Baden Powell escrever muitos prefácios subseqüentes em seu livro sobre Escotismo do Mar.

'Foi através dos ensinamentos de Warington B-P que eu, sendo mais jovem, comecei minha aprendizagem sobre Escotismo do Mar.   Ele foi tanto um marinheiro como uma pessoa com coração de menino, assim reza seu ensinamento.   Eu nunca esqueci os pequenos momentos e das coisas que aprendi com ele e que tiveram uma grande importância para mim durante toda a minha vida.   Foi graças a ele e seu interesse em garotos e em marinharia que o Escotismo do Mar se tornou tão popular.   Seu livro foi instrumento de ajuda a muitos rapazes, transformando-os em homens hábeis para seus países e se encaixam na memória da vida e caráter do seu autor.'

Também, a respeito dele, escreveu-se 1921:

    'Ele, a quem eu sempre considerei como fundador do Escotismo do Mar, acaba de morrer.   Ele era Warington, meu irmão mais velho.   Em meus dias de infância, ele ocupou o lugar de um pai para mim e me formou com um grande amor pelo mar e pela prática habilidosa de atividades flutuantes.   Com o espírito jovial que ele possuía, mesmo em seus últimos dias, infundiu muita jovialidade e romance entre mim e o grande mar, treinando minha formação pela primeira vez; e eu faço o balanço do resultado desses dias com os dias da minha escola pública (valiosos como foram), eu me dei conta de que o Escotismo do Mar foi uma educação em si que foi muito mais valorizada em minha carreira.   Foi dessa experiência profissional que eu tão persistentemente criei e desenvolvi o Escotismo do Mar entre os jovens pelos homens que sabem alguma coisa sobre a vida no mar e que têm "o irmão mais velho" que toca a sua natureza.

    Meu irmão escreveu o manual dos Escoteiros do Mar e, embora sua doença nos últimos anos o tenha impedido de tomar parte ativa no treinamento dos Escoteiros do Mar como ele gostaria, seu coração sempre estava com eles.'

(...)

Ainda há numerosas discussões e incertezas a respeito da datas de início dos Escoteiros do Mar.   O Escotismo do Mar evoluiu mais ou menos concomitantemente ao Escotismo da Terra de Baden Powell.   Não havia nada que pudesse impedir os primeiros escoteiros de participar de atividades em barcos.   Embora possa não haver registros ou referências oficias sobre datas, haviam patrulhas que se especializaram em atividades aquáticas, da mesma forma que muitas das primeiras patrulhas de escoteiros optaram por especializar-se em fogo, ciclismo, pioneirismo eu trabalho em ambulâncias, embora, na época, não existisse nenhum distintivo ou uniforme especial para aqueles que desenvolviam suas atividades na água.   Em Glasgow, Escócia, bem no início de 1909, eles haviam criado uma ramificação do Escotismo do Mar, citada na revista The Scout de fevereiro de 1909.   Em junho de 1909 foi apresentado um distintivo de Marinha [Seamanship Badge], disponível para todos os escoteiros.

Ele organizou um campo em Buckler's Hard próximo à foz do rio Beaulieu, perto de Southampton (na costa sul da Inglaterra), e diz-se que aí foi que começou o Escotismo do Mar.   O aspecto náutico do campo foi desenvolvido no navio de Treinamento Mercury, que foi colocado à disposição do Movimento Escoteiro por C B Fry, Capitão e Superintendente do navio, de 7 a 21 de agosto de 1909.   C B Fry foi um polimatemático que foi capitão da Inglaterra no críquete e ao qual, em certa ocasião, foi oferecido o trono da Albânia.   Também jogou futebol pela Inglaterra e Rúgbi em Oxford, e em 1900 foi detentor do título de salto em distância.   Escreveu vários livros e foi um dos jornalistas de maior sucesso e influência da sua época, representando a Índia na Liga das Nações.

Comentando a sua visita à Alemanha, em meados dos anos 1930, no seu retorno, C B Fry afirmou que era uma pena que a Alemanha não jogasse Críquete.   O navio de treinamento estava ancorado no rio Hamble e o campo estava localizado no local de antigas rotas de navios nas quais muitos dos navios do Almirante Lord Nelson foram construídos e lançados ao mar, no início do século XIX.   Duas tropas estavam presentes no campo, tendo, cada uma, permanecido uma semana em cada um dos locais, e depois trocando entre si de lugar.   A bordo do TS Mercury, os meninos dormiram em redes e receberam instrução sobre o trabalho elementar em navio dos instrutores navais do navio.

O campo do Mercury foi considerado 'um ponto de partida que se mostrou aceitável para muitos rapazes aventureiros que não se teriam sentido atraídos pelo Escotismo'.

 


Composição do texto e traduções por Andre Torricelli F. da Rosa (123° GEMar Almirante Saldanha-RJ)
Textos originais em Inglês de Robert Baden-Powell e Roi Masini.